Qual é o lugar do Povo?

Figura n.º 1 – Fachada do edifício da Câmara Municipal da Guarda (provável construção nos finais do século XVI) – Foto Maria José Neto

Qual é o lugar do Povo?
O Poder em cena na Câmara da Guarda nos séculos XVI e XVII

Joaquim Calheiros Duarte (JCD)
Anabela Matias (AM)
Maria José Neto (MJN)

A construção do Estado moderno ganhou novo impulso nos reinados de D. Manuel I e do seu sucessor, D. João III. Deve-se ao primeiro, entre muitas outras medidas de largo alcance, a reforma dos forais e a compilação sistemática das leis nas “Ordenações Manuelinas”. O segundo intentou medidas para moldar as oligarquias concelhias, regimentando a participação dos mesteres na governação local. Na cidade da Guarda, no final da Idade Média, esta oligarquia seria constituída, sobretudo, por proprietários agrícolas e criadores de gado, mas também por profissionais e oficiais da escrita (notários, escrivães, funcionários régios, juízes) entre os quais se recrutaram muitos dos procuradores que a Guarda enviou às Cortes. Procuravam os monarcas do século XVI uma maior uniformização da governação no reino, ligada a uma conceção mais moderna de Estado, atenuando a multiplicidade inconciliável de legislações municipais e de regimes de governo das Câmaras[1].

Para além das funções de justiça e de administração, às Câmaras foram atribuídas, cada vez mais, funções de decisão económica no âmbito local, especialmente com a fixação de taxas de géneros alimentares e de preços, e a promulgação de posturas regulando as obras dos mesteres e outros aspectos da produção e do consumo[2]. E porque os poderes transferidos para os concelhos eram tantos e diversos, poder-se-á conjeturar que, pondo os homens dos mesteres a participar nestas tarefas, o rei reforçava e influenciava os grupos sociais que dominavam a vida municipal e que em seu nome “desempenham funções que, à partida, pareceriam exclusivas do poder central”, como lembra Romero de Magalhães. Ao invés de se verificar uma diminuição do poder régio, este aumentava, porquanto o monarca regulamentava alguns mecanismos cruciais do funcionamento do poder local na sua relação com a hierarquia social e estatutária das comunidades[3]. Foi, então, neste contexto que a cidade da Guarda recebeu, em 1510, um foral novo[4] e, em 1541, “a mercê” de D. João III de instituição e regimento dos mesteres.

A distância e a dificuldade de comunicação eram obstáculos à uniformização da administração local, por isso importava atender às petições dos povos para evitar conflitualidade, tanto maior quanto mais o fosse o desenvolvimento das pequenas urbes que eram a maioria das cidades do Reino. A cidade, como nota Denis Menjot, começava a ser omnipresente, atraindo a atenção de todos e abrindo aos olhos dos que a ela vinham todo “um mundo inquietante, maravilhoso e escandaloso”[5].  A multiplicidade das profissões artesanais e ligadas ao comércio fazia parte dessas novas realidades. Mais do que o número de habitantes só por si, esta diversidade permitia distinguir as pequenas cidades dos núcleos rurais. Um “ofício” ou “mester” era um grupo de produtores interrelacionados através de um conjunto de técnicas e de conhecimentos adquiridos unicamente através da prática dessa mesma ocupação ou actividade económica durante um tempo determinado[6]. Se, por um lado, o crescimento das urbes nos séculos XIV e XV atraía um conjunto de mesteres e ofícios respondendo às necessidades dos habitantes que viviam dentro das muralhas, bem como daqueles que se espalhavam pelo arrabaldes e pelos “termos” ou territórios dependentes, por outro, o desenvolvimento urbano contribuía para que surgisse nas sedes de concelho uma verdadeira luta pelo poder de mandar. De um lado da barricada estava o grupo dos poucos que governavam, a oligarquia camarária e, do outro lado, estavam os homens dos mesteres que podiam nalguns casos ter poder económico, mas se queixaram repetidamente ao rei das decisões tomadas por essa oligarquia, que sentiam como “opressões e agravos”[7].

O que pensavam os membros dessas oligarquias? Famosamente, nas Cortes de 1481-82 os “homens da governança” exprimiram num discurso dos seus procuradores a sua firme oposição a que representantes dos mesteres estivessem nos governos camarários: “não sabem o que é polícia [ou seja, a política], nem sabem que cousa é honra, nem quando deve a honra preceder o proveito...”[8]. Em muitas cidades, estamos perante uma luta sem regras pelo poder, que alguns não queriam partilhar. O grupo dos que governavam as câmaras, que a si mesmos se designavam como “homens honrados”, tendia a restringir-se e a recrutar-se sempre nos mesmos perfis sociais e, até, nas mesmas famílias. Assim aconteceu na Guarda com a restrição proposta pelo grupo que governava do próprio número de vereadores, mas a redução de “homens da governança” já nos meados de Quatrocentos foi de tal monta que terá prejudicado, segundo alguns historiadores propõem, os próprios membros dessa oligarquia camarária[9].

A necessidade de representação dos mesteres junto das vereações era, no entanto,  reconhecida pelo rei.  Já existia nos fins da Idade Média nas principais cidades do país. Foi confirmada em Lisboa e no Porto nas duas primeiras décadas do século XVI, em Évora (1529, confirmando alvará de 1518), alargando-se na Beira a cidades como Lamego (1529) e a Covilhã (1535). Em 1539, D. João III fez publicar o novo regimento de Lisboa que se estendeu a outras partes do país, nomeadamente Porto, Coimbra, Évora, Guimarães e Tavira[10]. Por vezes verificavam-se conflitos a propósito desta “novidade” nalguns lugares onde os vereadores, que não apreciavam a partilha do poder,  procuraram expulsar os representantes dos mesteres das suas reuniões. Assim sucedeu, por exemplo, em Lamego, onde em 1529 “os oficiais da Camara da dita cidade lançaram fora dela os procuradores dos Mesteres”[11].

Na região beirã, a vila da Covilhã (à época senhorio do Infante D. Luís, irmão do rei) tinha já obtido um regimento dos mesteres em 1535[12]. A pedido do “povo”, o mercador Jorge Martins, em representação dos mesteres, deslocou-se a Évora, onde então se encontrava a corte, e solicitou para a Covilhã o mesmo regimento atribuído à cidade alentejana, cidade com a qual tinham outras afinidades, como o modelo da Carta de Foral. Pretendiam os mercadores, mesteirais e demais “povo” “os privilégios e liberdades que tinham os mesteres da cidade de Évora”[13], o que alcançaram após múltiplas tentativas e retrocessos na segunda metade do século XV, ao tempo dos reinados de D. Afonso V e de D. João II[14]. Conclui Maria Ângela Beirante que “na realidade, o privilégio principal por eles ambicionado era o estatuto ou regimento dos Vinte e Quatro [que existia em Lisboa], sem o qual os restantes de pouco lhes serviam”[15]. Noutras cidades do reino, os vinte e quatro dos mesteres elegiam procuradores para representarem o “povo miúdo” nas assembleias concelhias e vereação.

Esta conquista não terá sido alheia aos guardenses, que fizeram o mesmo pedido ao rei D. João III. Na cidade da Guarda observamos um crescente protagonismo dos mesteirais na economia e na fiscalidade do concelho, já no século XV. A sua voz torna-se evidente nas cortes de 1465, realizadas nesta cidade, quando solicitaram ao rei D. Afonso V a instituição de um procurador do “povo”[16], do qual fazem parte e com o qual se sentem solidários, sendo que o “povo” aqui incluiria muitos com situação económica mais favorável, como os mercadores e os lavradores do termo da cidade. Este rei não atendeu o pedido, mas certamente o mesmo continuou a ser apresentado e teve resposta favorável de D. João III.

Em 1541, a cidade da Guarda recebeu “a mercê” de D. João III de instituição e regimento dos mesteres, permitindo que oito dos mesteres existentes na cidade pudessem eleger dois procuradores para participarem nas reuniões da Câmara da cidade, nas vereações e nos autos que fossem feitos daí em diante, enquanto o rei não deliberasse o contrário.

A Guarda comparada com a Covilhã

Uma das formas de intervenção do governo régio era cedendo a questões pretendidas pela administração dos municípios, impedindo, assim, revoltas e desagrados da população habitante do burgo. A par desta necessidade por parte de uns e da cedência por parte de outros, afirmava-se também a tendência crescente de embelezar a cidade em edifícios, obras novas em fontes e alpendres comerciais, reforma de praças e espaços de uso comum, como também construindo novas sedes para o próprio governo camarário[17].

À semelhança de Évora, que recebeu Carta de Foral de D. Afonso Henriques em 1166, réplica do foral castelhano de Ávila[18], D. Sancho I outorgou foral à Covilhã[19] em 1186; em 1199, o segundo rei português outorgou também Carta de Foral à Guarda, baseando-se no foral de Salamanca. Tal como o havia sido na Covilhã, também na Guarda o monarca, ao conceder o foral, considerou o aglomerado populacional existente, que foi crescendo neste último caso com a transferência da Diocese de Egitânia. Paulatinamente, esta urbe foi ganhando importância económica, assistindo-se a uma transformação do espaço construído e a uma crescente importância na constituição de um território próprio. Mas o que diferencia a Guarda, ao longo do século XIII, são dois fatores cruciais: a existência de poder religioso, com a permanência do Bispo, e a existência de um forte poder económico, ligada à existência de um mercado permanente e de feiras.

Será a crise do século XIV, que teve grande repercussão no interior dos concelhos e ainda na relação destes com o rei, que irá originar grandes mudanças sociais. A recuperação económica quatrocentista e quinhentista trouxe alguma prosperidade mercantil a ambas as localidades beirãs, a Covilhã e a Guarda, bem como o crescimento e a afirmação dos novos mesteres. A Guarda crescia, tal como a sua população e o seu poder económico. Nas cidades medievais em crescimento, aglomeravam-se vários mesteres que se revelaram, ao longo dos tempos, como sendo um motor do crescimento urbano e fator essencial de desenvolvimento económico. O facto de a Guarda ser uma cidade de fronteira fazia com que fosse muito procurada por mercadores vizinhos, mas também devido à isenção de portagens, que constava no foral da cidade[20] . Havia um comércio regular na área da alimentação (carniceiros e padeiros) e do vestuário e têxteis (sapateiros, correeiros e tecelões), parecendo-nos este último bastante florescente e importante. Sublinharam Maria José Ferro e Joana Sequeira que, no período entre 1440 e 1455, os tecelões judeus da Guarda ultrapassavam em número os da Covilhã[21].

Figura n.º 2 – Vestígios de um arruamento medieval: habitação/oficina na Rua de D. Sancho I  (Guarda)

Foto Maria José Neto

Em 1495 subiu ao trono D. Manuel I, monarca que imprimiu uma maior dinâmica no comércio local e na política de combate ao senhorialismo ordenando a realização de um vasto inquérito na Comarca da Beira com o objetivo de melhorar a administração fiscal e corrigir possíveis abusos decorrentes da prática de usos e costumes já adquiridos. Esta inquirição iniciou-se no começo do seu reinado, em 1496, nas comarcas da Guarda, Pinhel e Castelo Branco e, com ela, pretendeu-se conhecer o número dos moradores de cada localidade, a sua composição (dando especial destaque aos privilegiados, i.e. cavaleiros, fidalgos, escudeiros e criados de rei ou infantes, e ainda aos oficiais de justiça e da fazenda); inquiria-se, além disso, se o lugar era acastelado, se possuía judiaria ou mouraria, quais os direitos reais e os rendimentos que dali adviriam ao monarca[22].

Esta fonte primária fornece uma visão geral e permite uma comparação dos principais núcleos de povoamento cerca de 1500, permitindo reconstituir a rede urbana da Beira Interior. Note-se o facto de este inquérito ter surgido após a realização das Cortes de Montemor-o-Novo (janeiro de 1495) e antes da expulsão ou conversão forçada dos judeus, determinando que os agentes do rei levassem a cabo a tarefa de conhecer o número de oficiais régios e elementos da administração local e, ainda, estimar a renda senhorial enumerando a quantidade de donatários.

Ao traçar o perfil da nobreza donatária da Beira Interior, estava-se a inventariar o cadastro dos direitos senhoriais e a confrontá-los com os respetivos forais e os direitos devidos ao rei[23]. Interessa-nos sobremaneira a informação obtida sobre a comarca da Guarda, apesar de esta se encontrar mais incompleta, comparativamente com a de Pinhel ou de Castelo Branco. Enquanto estas comarcas foram inquiridas por Lourenço Afonso, homem do almoxarifado da Guarda, e a de Pinhel trabalhada por João de Paiva, também homem do mesmo almoxarifado, tendo ambos, para o efeito, visitado as localidades, a da comarca da Guarda foi realizada por Antão Saraiva, escrivão dos contos da cidade, que se limitou a tratar os dados existentes no seu cartório. A informação para a Guarda inclui o número de moradores, os oficiais de cada localidade e, por vezes, o tributo que cada uma delas pagava. O recenseamento destas três comarcas fez-se, note-se, sem igualdade de critérios, cada funcionário cumprindo à sua maneira a ordem régia.

Ficamos a saber por este inquérito que, em 1496, a Guarda tinha 1426 vizinhos, que aqui havia um alcaide (D. Nuno), seis escudeiros e dezanove oficiais. Podemos, ainda, identificar individualmente os escudeiros, todos eles criados do rei: Lisuarte Pestana; Diogo de Pinhel; Álvaro Monteiro; Jorge de Fraga; Lopo Miranda; Duarte Rodrigues. Notou-se que a cidade tinha castelo, que pertencia ao rei, e que nela havia um rendimento de 50 000 reais (rs.), distribuídos por vários fidalgos e donatários (vide quadro nº 1), e que era pago o sisão dos judeus.

Quadro nº 1 – Rendimentos pagos na cidade da Guarda em 1496[24]

Comparando a Guarda com a Covilhã, em período coevo, percebemos que esta vila tinha 2371 vizinhos e um rendimento de 94 000 reais, superior em 44 000 reais ao da Guarda. Ambas tinham um alcaide, mas a Covilhã tinha, além dele, um alcaide-mor; ambas tinham escudeiros e oficiais, porém a Covilhã tinha quatro fidalgos a residirem na cidade, três cavaleiros, um criado de rei, estando identificados 108 judeus; para a Guarda não consta esta identificação do número de judeus residentes, apesar de se mencionar o pagamento do sisão por esta comunidade. Pouco depois, deixaria de haver oficialmente judeus em Portugal, e o seu número passou a ser contado com a população cristã[25].

Por esta altura, a Comarca da Guarda produzia cereais e vinho em alguma quantidade, a deduzir pelos foros pagos nas localidades, e também criava gado suíno e bovino; ao passo que a da Covilhã criava essencialmente gado ovino e registava uma maior concentração de gente privilegiada. Ângela Beirante refere que havia uma grande concentração do setor do tratamento das peles e do couro, bem patente na toponímia da cidade, e tratando-se na maioria das vezes de mesteres desempenhados por judeus[26]. Segundo Joana Sequeira, na Guarda, em Celorico da Beira e na Covilhã havia uma grande concentração quatrocentista de profissionais judeus tecelões, ligados à indústria têxtil lanar[27].

Quantos eram então os privilegiados? O seu número é difícil de estimar. Lemos nestas inquirições manuelinas que, na Guarda, “há de numero de gente na dicta çidade e termo com escudeiros que nom viveram com o Reix nem infantes passados”[28], e assim sendo percebemos que o seu número total pode estar subestimado. Talvez o mesmo tenha sucedido com os oficiais e outros privilegiados. Estes estariam isentos, e não foram sistematicamente contabilizados nesta tentativa, por parte do inquiridor, de distinguir os privilegiados dos restantes habitantes que pagavam impostos. A finalidade da contagem era conhecer o número de contribuintes (moradores contribuintes), e os números apontados acima referiam-se aos agregados familiares ou “fogos”. Com um índice mais baixo de 3.5 habitante por “fogo”, a comarca da Guarda poderia contar então um mínimo de 17 836 habitantes.

Em 1527, D. João III ordenou novamente que se fizesse o arrolamento[29] em livros dos moradores das cidades, vilas e lugares das comarcas do reino (Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve), tanto dos que viviam nas cidades e vilas como os dos arrabaldes e “termos[30]. Grande parte da secção relativa à Beira perdeu-se, nomeadamente aquela relativa à Guarda, mas Ângela Beirante adianta algumas estimativas fundamentadas para o aumento de população na Beira entre 1496 e 1527, tal como se infere da análise do gráfico número 1.

Gráfico n.º 1 – Total de fogos na Beira Interior, em 1496[31] e em 1527[32]

Se ao número de fogos indicados aplicarmos o coeficiente médio de 4 elementos por fogo obtemos, para o ano de 1527, os valores apresentados no gráfico número 2.

Gráfico n.º 2 – Estimativa de habitantes na Beira Interior, em 1527 (coeficiente de 4 elementos/fogo)

Estes dados, quando atentamos à distinção entre os núcleos urbanos e os seus distritos ou “termos”, indicam claramente que o número de fogos na Guarda estava em aumento, ou seja que a cidade crescia e prosperava entre as décadas de 1490 e 1530[33]. O mesmo sucedia, de forma ainda mais pronunciada, com a Covilhã, onde a prosperidade artesanal e mercantil foi fomentada também, segundo Ângela Beirante, pela migração e instalação de muitos judeus vindos de Castela após a expulsão de 1492. A Covilhã tinha em 1527 mais habitantes do que a Guarda, e a esta seguiam-se em dimensão, de muito perto, Castelo Rodrigo e Trancoso.

Este incremento populacional da Beira Interior era também fruto da vitalidade comercial da região, destacando-se alguns sectores de produção artesanal revelando a dinâmica dos mesteirais (couro, lã, ferro) e a prosperidade de mercadores e feiras. A diversidade dos mesteres numa cidade como Évora, centro regional importante e lugar habitual de residência da corte e da nobreza, está bem patente na ordem com que desfilavam na procissão quatrocentista do Corpus Christi: em primeiro lugar os ourives e picheleiros; em segundo, os tosadores e cirieiros; em terceiro os carpinteiros e serradores, pedreiros, taipadores, calçadores, caeiros e cabouqueiros; em quarto lugar, os oleiros, telheiros e tijoleiros; em quinto os ataqueiros e safoeiros; em sexto os correeiros, dargueiros e sirgueiros; em sétimo, os tecelões, penteadores de lã e cardadores; em oitavo, os “homens de armas” - barbeiros, ferreiros, ferradores, armeiros, cuteleiros, seleiros, bainheiros, esteiros e latoeiros; em nono, os besteiros e espingardeiros; em décimo, os alfaiates; em décimo primeiro, os sapateiros, surradores e curtidores, odreiros; em décimo segundo lugar, os carrateiros e estalajadeiros; em décimo terceiro os almocreves; em décimo quarto as fruteiras, regateiras e vendedeiras; em décimo quinto as padeiras; em décimo sexto as pescadeiras; em décimo sétimo os hortelãos e pomareiros e em décimo oitavo lugar os carniceiros e enxerqueiros[34]. Comparativamente, os núcleos urbanos da Covilhã e da Guarda teriam menos variedade, mas os mesteres tinham já adquirido importância suficiente para se organizarem reclamando privilégios e liberdades semelhantes aos que tinham os mesteres noutras cidades. Como em Évora, os artesãos e mercadores da Beira pretendiam sobretudo maior igualdade e representatividade na tomada de decisões nas câmaras, no que tocava por exemplo à distribuição de alimentos (particularmente da carne e do peixe nos períodos de penúria), à aplicação de taxas, na isenção de determinadas obrigações que pesavam sobre os vizinhos não-privilegiados do concelho, como a “defesa da paz pública”[35], na vigilância da gestão dos bens do concelho, entre outras.

Mesmo as cidades de pequena dimensão disporiam de um conjunto de mesteres indispensáveis, entre os quais barbeiro, alfaiates, sapateiros, pedreiros, carpinteiros e outros ligados à construção, carniceiros, padeiros, ferradores, peleiros, curtidores, tecelões, vendedores nas tendas/regateiros e almocreves, mas também temos notícia de outras na Guarda e na Covilhã como ferreiros, ourives, correeiros, sirgueiros, cirieiros, tintureiros, pisoeiros, surradores, oleiros, paneiros. Ambas localidades tinham prósperos mercadores. Com o aumento do número de praticantes de cada mester, o grupo profissional organizava-se corporativamente.

Segundo Lysie Reis, o século XIV teria sido “decisivo para os mesteirais, agora mais frequentemente chamados de oficiais mecânicos e reunidos nos seus «ofícios incorporados», ou seja, agrupamentos delimitados por profissões”[36]. Eles distinguiam-se dos lavradores e dos pescadores e, ainda, dos profissionais letrados como físicos e notários. Geralmente denominados "gente mecânica", tinham profissão artesanal transformando matéria-prima em artefacto e, consequentemente, vendiam estes produtos nas suas tendas, ou nos mercados e feiras. Mercadores, tendeiros, e almocreves tinham com estes em comum a exclusão da participação organizada no governo da cidade. A representatividade do conjunto dos mesteres no governo das cidades podia ser assegurada de forma rotativa, segundo mecanismos que se estabeleciam com esse objetivo. Foi esta, ao que parece, a solução que se adoptou para a Guarda.

Neste contexto, o pedido ao rei D. João III feito por “oficiais mecânicos e povo”, mencionado na carta régia de 4 de outubro de 1541, levou à instituição de uma representação permanente do terceiro estado na Câmara, tal como se fazia na Covilhã. Alguma diversidade de mesteres existiria na cidade da Guarda, mas por ser a urbe de menor dimensão populacional apenas foi instituída uma representação com oito dos mesteres existentes. Conjeturamos que na sua composição constariam alfaiates, sapateiros, pedreiros e carpinteiros, ferreiros (o que explicará a denominação de uma das principais portas da cidade, representada na figura nº 3) e ferradores, mercadores e tendeiros, peliteiros e curtidores, cardadores e tecelões, carniceiros. Uma pesquisa mais aturada permitirá futuramente confirmar esta lista hipotética.

Figura n.º 3 – Arco e torre da Porta dos Ferreiros

Foto Maria José Neto

Resumo e análise do Regimento (texto transcrito no fim deste artigo)

No vigésimo ano do reinado que iniciou em 1521, D. João III concedeu “a mercê” da instituição e regimento dos mesteres na cidade da Guarda. O rei, por considerar que a cidade da Guarda é uma das “principais deste reino e de grande povoação”, atende o requerimento e pedido dos “oficiais mecânicos e povo”, enviado ao rei em momento que desconhecemos. Argumentam que já existem regimentos noutras cidades do reino e que pela falta dele recebiam “alguns agravos e opressões”, referindo-se, muito provavelmente, à oligarquia que governava o concelho, pois a situação era comum e encontra-se documentada, por exemplo, nos capítulos especiais das cortes[37].

João III justifica neste texto a instituição do regimento da participação dos mesteres na governação da cidade para melhoramento do governo das matérias que lhes dizem diretamente respeito, pois “por não haver nela mesteres as coisas do povo não podem tão bem ser requeridas e olhadas como é razão”, e o monarca pretende que daí em diante o sejam.

Não se menciona na carta o número de mesteres organizados existentes na cidade, mas porque o monarca entende que na sua grandeza o número será suficiente, a carta estabelece que a participação na governação concelhia se faça com o exercício de oito desses oficiais. Determina que, todos os anos, “um dia das oitavas de Natal”, se juntem (não referindo o local) todos os “oficiais mecânicos” e elejam oito de entre eles, que “lhe bem parecer”, os quais farão a eleição dos “dois procuradores do povo”. Previdente, o rei pondera a situação de haver mais mesteres do que oito, ou de não perfazerem esse número, e poder haver entre os mesteres quem não se interesse pelo assunto em causa. Assim, estabelece que “dos ofícios que aquele ano não elegerem se elegerão no ano seguinte os ditos oito, ou aqueles que neles couberem”, e se forem menos “eles repartirão os ditos oito por todos os ofícios que aí houver como lhes melhor parecer”. Sendo obrigatório o ajuntamento dos mesteres para a eleição anual, quem for notificado e faltar será multado (“pagará cem reais de pena para suas despesas”), ficando a execução a cargo de uma pessoa escolhida de entre os oito.

A eleição dos “dois procuradores do povo” deverá ser feita pelos oitos eleitos em data não fixada no calendário e em local omisso, mas que, por ser inverno, se supõe que fosse coberto. Nas matérias do interesse do povo, para elas serem bem “requeridas e olhadas como é razão”, indicam-se os atributos que devem possuir os escolhidos: “homens de bem quais sentirem que sejam de melhor consciência e entender”, “que as coisas do povo saibam requerer bem e como a eles cumpre”, e que ajam “com toda a temperança”.

Os dois procuradores passavam a ser elementos indispensáveis na Câmara da cidade, nomeadamente nas reuniões da vereação e nos autos que se fizessem. Conjuntamente com outros oficiais da Câmara, “pessoas honradas que soem andar nos ofícios da dita Câmara”, os dois procuradores do povo também votariam na escolha de oficiais que, de acordo com o regimento e Ordenações, tivessem de ser providos para funções “a quem sentirem que para isso é mais auto e suficiente”. Mas o Regimento instituído identifica outros atos que não terão validade se os procuradores não estiverem presentes nas decisões e votações, referidas na expressão “darão vozes”, designadamente: “no outorgar dos contratos dos aforamentos, emprazamentos e arrendamentos que pela cidade forem feitos a alguma pessoa ou pessoas, de qualquer coisa que seja que a cidade possa fazer”; mas ainda “nas vendas e trespassações”; “na arrecadação das rendas”; “nas obras que a cidade mandar fazer”; “no dar dos chãos”; nas tomadas de decisão que impliquem despesas “que os ditos oficiais mandarem fazer de qualquer coisa que seja”; no lançamento de “algumas fintas ou taxas” pela Câmara; ou na decisão de “enviarem a mim [o rei] algum procurador ou procuradores para requererem algumas coisas que sejam em proveito da cidade”[38]. Ou seja, os atos principais da Câmara, em especial na gestão económica e fiscal, careciam da presença e assinatura dos procuradores dos mesteres “e sem eles se não fará”.

O rei determina, ainda, que os procuradores dos mesteres acompanhariam “juiz, vereadores e oficiais” nas vistorias que tivessem de fazer para aforamento de propriedades ou chãos, ou quaisquer outros bens que pertençam à cidade, e consequentemente assinariam nas deliberações tomadas por votação “o que às mais vozes for acordado”. Os oficiais da Câmara ficavam impedidos de fazer posturas nem acordos sem eles, “nem prometerão, nem darão serviços, nem tenças algumas [a] pessoas, em caso que para isso tenham licença, nem outros alguns encargos”, sem serem chamados os oito dos mesteres[39]. Em outras matérias, além destes mesteres, poderia ser necessário chamar o povo a pronunciar-se: “além dos ditos oito chamar-se-á o todo, segundo as ditas Ordenações declaram”. Esta última frase lembrava aos da Guarda que a lei geral e o regime instituído para todo o reino nas “Ordenações Manuelinas” se cumpriria também na cidade, servindo esta carta de regimento como regulamentação adicional  para esta matéria específica.

Note-se ainda que, relativamente a matérias mais complexas, “quando quer que se houver de tomar as contas das despesas que a cidade mandar fazer, assim das rendas dela como fintas e taxas”, os oito dos mesteres devem eleger um representante do povo para estar presente e “para por ele requerer o que a bem de sua justiça fizer”. Não obstante o estabelecido, o rei salvaguarda a situação em que, tendo sido informados do ato “declarando-lhe o dia e tempo em que as ditas contas se houverem de tomar”, se não procederem de acordo com o previsto nomeando um representante, ou se este último estiver ausente no tempo acordado (“se ao dito tempo não for”), as “poderão tomar sem ele”.

Para tornar mais atrativas estas funções, que eram onerosas em tempo e podiam ser pesadas a quem trabalha, precavendo algum desinteresse dos mesteirais na participação efetiva e regular do governo da cidade, já implícito no início do documento, o rei prevê que os dos mesteres não tenham que gastar dinheiro para a levar a cabo. Isenta, assim, os dois procuradores eleitos do pagamento de despesas (“sem por isso lhe levar dinheiro nem prémio algum”), específicamente pela transcrição ou cópias de escrituras ou outros documentos necessários ao desempenho das suas funções, ou cartas “testemunháveis” respeitantes ao povo, mandando ao escrivão da Câmara que lhas desse “com toda boa diligência que puder”.

Outro privilégio outorgado aos do “povo” relaciona-se com a justiça, atribuindo aos procuradores eleitos “mais liberdade que outros que para isso não são escolhidos nem servem”, e por esse facto “não possam nunca em nenhum tempo haver pena pública de justiça”, nomeadamente “açoite, baraço, e pregão, nem outra que seja desta qualidade que se dá aos outros” oficiais mecânicos, sendo equiparados a escudeiros se incorrerem em “pena pública”[40]. Igualmente importante era a isenção, no ano do exercício das funções, do “serviço do concelho”, entre os quais constava, pelo que sabemos noutros casos, o transporte de dinheiro e de presos, dois serviços que envolviam despesa e riscos elevados. Nos casos em que a ausência ou impedimento de um dos procuradores ocorresse “as coisas dela, como nesta carta é declarado, far-se-ão com o outro que ficar”, ficando este, por esse facto, com um poder pessoal superior.

Além do regimento concedido aos oito mesteres que tinham de eleger os dois procuradores, o documento régio também acautela eventuais disputas pelo poder ou conflitos decorrentes da afirmação política dos representantes dos mesteres. Nesse sentido, o rei notifica “juiz, vereadores e procurador e oficiais da dita cidade que ora são e adiante forem” e ordena que cumpram tudo quanto foi estabelecido, fazendo, na parte final do texto, uma súmula das determinações principais, para que não houvesse dúvidas na instituição e regimento dos mesteres da cidade da Guarda, a saber: que deixem fazer a eleição dos oito; que os ouçam nas coisas que ao povo disserem respeito e for seu requerimento; que os mandem chamar quando for necessário decidir por votação; que deixem eleger os dois procuradores que hão de estar na Câmara; que lhes deem assento na Câmara, no modo declarado; que os deixem votar, mesmo que não mostrem as procurações públicas da sua eleição pelos oito mesteres, “isto enquanto o bem fizerem e eu não mandar o contrário”.

O Poder em cena

 Na casa da Câmara mais antiga, localizada nas proximidades do mercado de Santa Maria da Vitória (também conhecida por Santa Maria do Mercado), como mais tarde no novo edifício que a substituiu, situado na praça mais próxima da Sé Catedral[41], cumpria-se certamente o protocolo determinado pelo regimento de 1541, visando tornar patente a hierarquia do governo e o estatuto social dos vizinhos da cidade que o compunham. Assim, determina o regimento que “os sobreditos dois mesteres estarão na Câmara sentados num banco que estará fora da mesa da vereação, afastado um pouco da mesa, com o rosto para os vereadores e as costas para o povo”. Mas, se a sala tiver disposição diferente “e sendo a mesa cercada com peitoril de grades cerradas, estará de fora dele o dito banco onde se hão de sentar os ditos procuradores, e será mais baixo que o assento dos vereadores”[42].

Esta preocupação em fazer mostrar a composição do governo camarário e o papel que nela desempenhava cada grupo era especialmente importante numa cultura que, como a das sociedades de Antigo Regime, dava a ver em rituais públicos a ordem política e religiosa. A aproximação dos mesteres ao centro político local e toda a cenografia que envolvia o exercício do poder pela oligarquia camarária tinha de traduzir-se numa autêntica representação pública desse poder, em que as diferentes personagens assumissem os seus lugares em palco distinguindo-se perfeitamente, para quem assiste, a importância de uns em relação aos outros. Os lugares mais elevados na sala onde reunia a vereação da Câmara estavam destinados à oligarquia dos “maiores” ou “homens honrados”, a posição inferior dos “menores” cabia aos representantes dos mesteres, sentados de frente para os primeiros, podendo olhá-los diretamente nos olhos, mas de costas voltadas para o povo - ao qual pertenciam, mas do qual, de forma paulatina, se vão afastando por esta mesma distinção.

Há toda uma encenação do poder neste regimento que estabelece um protocolo rígido para as sessões camarárias. Seria esta disposição única e exclusiva para o caso da Guarda? Certamente que não. Tudo indica que a generalização a muitas cidades do reino desta participação dos mesteres e do “povo” no governo das Câmaras, na época de D. João III, levou a uma procura de modelos e exemplos para uma maneira de “dar a ver” a nova ordem política local. Encontramos a descrição dessa cenografia do poder concelhio, por exemplo, para o caso de Lamego. Como vimos, os mesteres de Lamego viram os seus representantes expulsos das reuniões camarárias. Sentindo-se lesados dessa decisão unilateral por serem afastados das decisões a tomar, estes enviaram dois procuradores a Coimbra, como seus representantes, para verem in loco o funcionamento das reuniões camarárias desta cidade. Assim, é baseado no seu exemplo que se determinou que “os mesteres [de Lamego] tenham seu assento na Camara da maneira que o têm em Coimbra”[43].

A descrição relativa a Lamego permite colocar em palco as diferentes personagens e adereços ligados à função que cada um exerce nestas reuniões públicas:

“Convem a saber, a mesa dos vereadores e escrivão da Camara está em cima de um escabelo de pau, e detrás da mesa estão os vereadores com as costas na parede. E o Juiz está no topo da mesa e o procurador da cidade está no outro cabo da mesa abaixo dos vereadores. E abaixo desta mesa dos vereadores a outra mesa porque é do escrivão da camara e o escrivão está quasi sós.

No topo da sua mesa não de todo nele e na casa estão umas grades de pau que tomam a dita casa de parede a parede e com estas grades da parte de dentro está um assento pegado encostado às grades, o assento em que estão os dois procuradores dos mesteres, os quais [estão] em frente dos vereadores do procurador com os rostos uns para os outros.

E o escrivão fica a sua mesa mais abaixo que a dos vereadores. Antre a mesa dos vereadores e o assento dos procuradores dos mesteres há duas varas de medir pano. E de dentro destas grades estão os assentos dos cidadãos e os vinte e quatro dos mesteres ficam de fora das ditas grades, somente os dous procuradores dos mesteres estão em seu asento de dentro das grades onde está o juiz e vereadores e procurador e escrivão da Camara”[44].

Do regimento dos mesteres da Guarda estabelecido em 1541 pode inferir-se que a determinação do rei para a posição dos representantes dos mesteres é semelhante ao exemplo que temos das reuniões de Coimbra e que foi seguido pela câmara de Lamego, embora a disposição cerimonial surja descrita para a Guarda de modo mais resumido. O diploma relativo à Guarda prevê também que, em vez de um estrado como nos exemplos de Coimbra e de Lamego, se delimitasse o espaço da mesa dos vereadores com um “peitoril de grades”, em cujo caso os representantes dos mesteres ficariam de fora desse “peitoril”.

Considerando os exemplos descritos, apresentamos na figura nº 4 uma proposta hipotética de representação do espaço interior do edifício da Câmara da Guarda, usando o exemplo comum de outras cidades da Beira (como Lamego) e a planta do edifício que hoje subsiste - seja este “datável de momento indeterminado do século XVI, anterior a 1578”[45], ou já do século XVII. Em qualquer dos casos, seria no primeiro andar do edifício, no espaço mais “nobre” do salão com janelas para o largo ou “praça” do concelho, que teriam lugar as reuniões camarárias[46].

Figura n.º 4 – Paços do Concelho da Guarda: o lugar do “povo” e dos mesteres nas reuniões concelhias

 
Legenda: a – escabelo ou estrado de madeira; b - mesa dos vereadores; c – mesa do escrivão; d – juiz, e – procurador da cidade; f - assento dos vereadores; g – escrivão da câmara; h – grade de pau; i – assento dos dois procuradores dos mesteres; j – assento do povo.

Esta ordem bem visível ter-se-á mantido na segunda metade do século XVI e pelo século XVII adiante, conforme sugere o livro de registo da Câmara da Guarda, conservado nas coleções da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço. Este livro manuscrito permite a reconstituição de listas nominais dos procuradores dos mesteres da Guarda, em sucessivas vereações camarárias. Verificamos que muitos assinam por sua mão as posturas e actas de reuniões, nas quais participaram de modo regular.

  1. Notas finais

Como se poderá deduzir da reflexão anterior, o desenvolvimento económico das diferentes vilas e cidades beirãs contribuiu para a vontade dos monarcas, bem como das oligarquias concelhias, em fiscalizar as atividades dos mesteres. Em volta dos ofícios ou mesteres, urde-se a partir do final da Idade Média  uma teia de controlo, pois “vem agora a autoridade régia ou camarária e fixa rígidos regimentos de ordenamento do trabalho”[47]. O cumprimento desses regimentos evidencia a preocupação de limitar o âmbito de ação dos mesteres à sua atividade profissional, mas ao mesmo tempo os do “povo” vão formulando ambições políticas, de modo bem patente e documentado já na época quatrocentista. Aos monarcas interessava um equilíbrio entre as forças concelhias, ou seja, entre as oligarquias camarárias e os mesteres, atenuando possíveis conflitos, fomentados, por vezes, pelas vereações que procuravam afastar do poder esses intrusos. Era a “conjugação de equilíbrios”, como apontou Romero de Magalhães, que sustentava “o edifício do Antigo Regime” [48].

Nestes jogos de poder ao nível local, como conclui o mesmo historiador já para a época quinhentista, “as vereações em vias de enobrecimento procuravam arredar os mesteres de muitas das votações em que deviam participar, arguindo que apenas lhes competia apresentar requerimentos em nome do “povo meudo” e que não eram oficiais do concelho”[49]. Estes conflitos latentes poderiam culminar em amotinações ou manifestações de desacordo com decisões proferidas pelo rei, ou pelas oligarquias camarárias, e em última instância colocariam em causa a estabilidade social e política, tanto na vida local, como do próprio reino.

 Uma parte importante deste processo histórico arranca nos finais da Idade Média quando os mesteres, paulatinamente, foram conquistando o seu espaço na governação ao nível dos concelhos. Nisto seguiam o exemplo da principal cidade do reino , pois a sua “representação política local tinha encontrado forma em Lisboa, bons anos antes, em finais do século XIV”[50]. Havia um modelo de intervenção dos mesteres no governo camarário, presente no funcionamento da casa dos “Vinte e Quatro de Lisboa”, e que será replicado mais tarde em Évora e na Covilhã[51]. Nem todas as cidades, no entanto, possuíam a dimensão e diversidade de profissões ou ocupações que este modelo regulamentava.

A reconstituição deste processo numa pequena cidade como a Guarda pode tomar as fontes dos meados do século XVI como ponto de partida. Muitas perguntas permanecem, no entanto, por responder. Quantos mesteres organizados existiam na cidade na década de 1540, e o que representa o número oito estabelecido neste Regimento que agora publicamos? Que atividades predominavam na Guarda e que impacto teve este Regimento na sua evolução? Quantos seriam os mesteirais e qual o peso da participação da mulher nos mesteres organizados? Gerou a eleição dos procuradores dos mesteres e do “povo” alguma oposição ao exercício das suas funções na Câmara ? Qual dos edifícios da Casa da Câmara (o edifício adjacente a Santa Maria do Mercado, ou o novo edifício) inaugurou a “cenografia do poder” definida pela carta de regimento outorgada pelo rei?

  1. Fontes manuscritas:

Instituição e Regimento dos Mesteres na Cidade da Guarda, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Livro 34, fólios 55 verso, 56.

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[1] Sobre os forais novos, sua importância e longevidade: Margarida Sobral Neto, “A Persistência Senhorial” in José Mattoso (ed), História de Portugal. Nos Alvores da Modernidade, Vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 171-172.

[2] Joaquim Romero Magalhães, “Os Concelhos”, in José Mattoso (ed), História de Portugal, vol. 3, p. 179.

[3] Joaquim Romero Magalhães, “Os Concelhos”, p. 180.

[4] Maria Helena Cruz Coelho e Maria do Rosário Barbosa Morujão, Forais e Foros da Guarda, Guarda, Câmara Municipal da Guarda, 1999, p. 145-193.

[5] Denis Menjot, “El mundo del artesanado y la industria en las ciudades de Europa occidental durante la Edad Media (siglos XII-XV)”, Catharum. Revista de Ciencias y Humanidades 11 (2010), p. 5.

[6] Geoffrey Crossick, “Past masters: in search of the artisan in European history”” in The Artisan and the European Town, 1500-1900, Oxford; New York, Routledge, 2016, p. 4.

[7] Instituição e Regimento dos Mesteres na Cidade da Guarda: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Livro 34, fólios 55 verso, 56.

[8] Maria Helena Cruz Coelho e Joaquim Romero Magalhães, O Poder Concelhio: das origens às Cortes Constituintes. Notas da História Social, Coimbra, Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986, p. 134.

[9] Maria Helena Cruz Coelho e Joaquim Romero Magalhães referem que os “graúdos da Guarda”, com a anuência do corregedor, pediram nas Cortes de Santarém (1468) a diminuição do númro dos homens da relação, de 36 para 12. A pretensão foi alcançada, mas já em 1482 se queixavam das escolhas do ouvidor do corregedor, que escolhia homens da sua confiança, ficando de fora muitos homens bons. Os autores concluem: “A ambição saiu-lhes cara, se não caíram mesmo num logro…”: O Poder Concelhio, p. 28.

[10] Joaquim Romero Magalhães, “ A forte presença dos Mesteres” in José Mattoso (ed.), História de Portugal, vol. 3, p. 311.

[11] Fernando Russel Cortez, Os Mesteres de Lamego no século XVI, Porto, Congresso Luso-Espanhol, 1943, p. 11 (texto atualizado)

[12] “a vila da Covilhã, pelo seu dinamismo económico e social, parece ter servido de estímulo e exemplo às cidades e vilas da Beira Interior”: Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, os vinte e quatro dos mesteres de Évora, paradigma dos vinte e quatro da Covilhã (1535), Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 99.

[13] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 77.

[14] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 79-92.

[15] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum , p. 92.

[16] “Pedimos à Vossa Alteza que nos deis lugar que possamos fazer um procurador, o qual haja poder de estar sempre por o povo ao lançar dos dinheiros das ditas fintas [impostos] e assim à conta dos procuradores do concelho, pera requerer toda sua liberdade e pera outorgar no que de razão requerer e assim contradizer o que contra o povo fazer quiserem sem razão, esto vos pedimos por que por nossa simpreza e pouco valor nos não seja feita cousa não devida”: Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval. Posição, Morfologia e Sociedade, 1200-1500, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1987, p. 180 (texto atualizado).

[17] Walter Rossa, A Urbe e o Traço. Uma Década de Estudos Sobre o Urbanismo Português, [Coimbra], Livraria Almedina, 2002, p. 242. Ver especificamente sobre a Guarda Daniela Pereira, “O conceito de praça na cidade da Guarda entre a Idade Média e a Idade Moderna”, Promontória 6 (2008), p. 325-350 (http://hdl.handle.net/10400.1/7366  consultado em 2021.06.30).

[18] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 57.

[19] Maria da Graça Antunes Silvestre Vicente, A Covilhã: o Espaço e os Homens. Do foral de D. Sancho I à Integração do Senhorio na Casa do Infante D. Henrique (1186-1415), vol. I, p. 20 e ss.

[20] Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval, p. 109.

[21] Joana Sequeira, O Pano da Terra. Produção têxtil em Portugal nos finais da Idade Média, Porto, Universidade do Porto, 2015, p. 55.

[22] João José Alves Dias, A Beira Interior em 1496 (Sociedade, Administração e Demografia), separata de Arquipélago, Universidade dos Açores, 1982, p. 95-193 ( https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/597/1/JoaoJoseAlvesDias_p95-193.pdf  consultado em 2021.06.30)

[23] João José Alves Dias, A Beira Interior, p. 98.

[24] João José Alves Dias, A Beira Interior, p. 114-115.

[25] João José Alves Dias, A Beira Interior, p. 144.

[26] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 67.

[27] Joana Sequeira, O Pano da Terra, p. 55.

[28] João José Alves Dias, A Beira Interior, p. 136.

[29] “Só em 1527 existirão meios burocráticos e suficiente força política para que o monarca determine a contagem dos vizinhos do reino, dando origem ao primeiro cadastro nacional”, Teresa Ferreira Rodrigues, “As estruturas populacionais” in José Mattoso, História de Portugal, vol. 3, p. 198.

[30] Virgínia Rau, Estudos de História Medieval, Lisboa, Editorial Presença, 1985, p. 22.

[31] Tivemos como fonte os dados de João José Alves Dias, A Beira Interior,  p. 107-125.

[32] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 71.

[33] João José Alves Dias, A Beira Interior, p. 142.

[34] A.H. Oliveira Marques, “O Trabalho”, in A sociedade medieval portuguesa. Aspectos da vida quotidiana, Sá da Costa, Lisboa, 1981, p. 136-138.

[35] Maria Ângela Beirante, Ao serviço da República e do Bem Comum, p. 87.

[36] Lysie Reis, «Os “homens rudes e muito honrados dos mesteres”», Revista da Faculdade de Letras (Porto), I Série, 4 (2005), p. 235-259.

[37] Antonieta Pinto e António Prata Coelho referem alguns desses casos: ”Corpo e Membros uma só cousa”.

[38] Como os concelhos costumavam ser representados nas Cortes por dois procuradores, tratar-se-ia deste tipo de representação com mandatos específicos.

[39] Note-se que o documento não refere os dois procuradores, mas os oito eleitos, como sucede nas matérias a seguir referidas.

[40] “E quando os sobreditos forem compreendidos em tal caso por onde segundo minhas ordenações mereçam alguma pena pública lhes será mudada em outra e acerca disso lhe será guardado o que se guardaria se fosse escudeiro” (Instituição e Regimento dos Mesteres na Cidade da Guarda). Este privilégio pode ser visto como um passo no sentido do enobrecimento “talvez mesmo o princípio de uma carreira, que, através de gerações, podia levar à penetração no grupo dos mais privilegiados”, Joaquim Romero Magalhães,”Os Concelhos”, p. 182.

[41] Segundo Carlos Caetano o edifício é anterior a 1578: As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII), Dissertação de Doutoramento em História da Arte Moderna, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2011, Volume II, p. 647. Para outros autores ele data na sua forma atual apenas do século XVII: Vitor Pereira “Intervenção Arqueológica no edifício dos Antigos Paços do Concelho, Guarda”, in Actas do Quarto Encontro de Arqueologia Urbana, Amadora, Câmara Municipal, 2003, p. 96.

[42] A este respeito veja-se idêntica disposição adotada na cidade de Lamego, em 1529, seguindo o modelo de Coimbra: Fernando Russel Cortez, Os Mesteres de Lamego no século XVI, Porto, Congresso Luso-Espanhol do Porto, Imprensa Portuguesa, 1943, p. 16-17.

[43] Fernando Russel Cortez, Os Mesteres de Lamego, p. 11.

[44] Fernando Russel Cortez, Os Mesteres de Lamego, p. 16-17 (texto atualizado).

[45] Carlos Manuel Ferreira Caetano, As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses, Volume II, p. 647.

[46] Esta proposta foi desenhada por Daniela Pereira, participante da Oficina de História que amavelmente respondeu a um pedido nosso.

[47] Marcelo Caetano, “Estudo”, in Franz-Paul Langhans, As Corporações dos Ofícios Mecânicos: subsídios para a sua história, Lisboa, Imprensa Nacional, 1943, p. XXXIX-XL.

[48] Maria Helena C.ruzCoelho e Joaquim Romero Magalhães, O Poder, p. 48.

[49] Joaquim Romero Magalhães, “A forte presença dos mesteres”, in José Mattoso, História de Portugal, vol. 3, p. 312.

[50] Marcelo Caetano,”Estudo” in As Corporações dos Ofícios Mecânicos, p. LXI-LXIX.

[51] Arnaldo Sousa Melo, “Os mesteirais e o poder concelhio nas cidades medievais portuguesas (séculos XIV e XV)”, Edad Media: Revista de Historia , 14 (2013), p. 156-157.

Instituição e Regimento dos Mesteres na Cidade da Guarda

Item a cidade da guarda Jnstituiçam e Regimento Dos mesteres
[na margem: os mesteres da/ cidade da guarda/ Regimento]

Dom Joham cet faço saber a quamtos esta carta virem que os oficiaes macanjcos e pouo da minha cidade da guarda me enviaram pidir e Requerer que me aprouuese que na dita çidade ouuese mesteres pera Requererem as cousas do pouo como os avia nas outras çidades e vilas primcipaes de meus reinos por que por os hy nom aver tinham reçebido e recebiam alguns agravos e opresoens E visto seu requerimento avendo eu respeito a dita cidade ser huma das primçipaes deste reino e de gramde pouoaçam e por nom aver nela mesteres as cousas do pouo nam podem tam bem ser requeridas e oulhadas como he rezam e me prazera que o seyam ey por bem e me praz que daquy em diante aJa nela oito mesteres os quaes se elegeram pela maneira segujnte

Jtem Primeiramente todos os ofiçiaes macanicos que na dita çidade ouuer se aJuntaram huum dia das oitauas de natall de cada huum Anno e os oficiaes de cada ofiçio elegeram antre sy huum boo homem e emtendido pera os ditos oito e se forem mais ofiçios que oito elegeram os ditos oito mesteres de oito ofiçios que lhe bem pareçer E dos ofiçios que aquele anno nom elegerem se elegeram no Anno segujnte os ditos oito ou aqueles que neles couberem E nam chegando a oito E nom avendo hy oito ofiçios pera de cada hum se eleger a dita pessoa eles Repartiram os ditos oito por todos os oficios que hy ouuer como lhes milhor parecer

E se alguns dos ditos oficiaes macanicos se nom quiserem ajumtar quando forem chamados per asy fazerem eleição o que nom for sendolhe noteficado pagara çem reais de pena pera suas despesas e os ditos oito ordenaram amtre sy huma pessoa que os faça ajuntar e dee a execução a dita pena nos que nela emcorerem

E tamto que for feita a dita eleição na maneira sobredita loguo os oito que forem eleitos se ajuntaram e elegeram amtre sy dous procuradores do pouo homens de bem quaes sentirem que seyam de milhor conçiemçia e entender e que as cousas do pouo saibam requerer bem e como a eles compre e com toda A temperança os quaes dous procuradores que asy forem eleitos estaram na camara da dita cidade nas vereaçoens e autos que se nela fezerem E quamdo se ouuer de prouer de alguns ofiçios da çidade e que por Regimento e minhas ordenaçoens a camara ouuer de prouer seram chamadas as pessoas omrradas que soem amdar nos ofiçios da dita camara e com eles e com os ditos dous procuradores dos mesteres os daram as mais vozes a quem semtirem que pera iso he mais auto e sofficiemte

Jtem os ditos dous procuradores seram presentes e daram vozes no outorgar dos contratos dos aforamentos emprazamentos e arrendamentos que pela cidade forem feitos a alguma pessoa ou pessoas de qualquer cousa que seya que a cidade posa fazer e nas vemdas e trespasaçoens e na arrecadaçam das rendas que se pertençem a cidade e sem eles se nam fara cousa alguma do sobredito

Jtem teram vozes nas obras que a cidade mandar fazer e no dar dos chãos e asy nas despesas que os ditos oficiaes mandarem fazer de quallquer cousa que seya e asynaram nos mandados com os ditos ofeçiaes e quamdo a camara quiser lamçar algumas fimtas ou taixas ou emviarem a mjm algum procurador ou procuradores pera Requererem algumas cousas que seyam em proueito da cidade os ditos dous procuradores dos mesteres seram presemtes e asynaram no acordo que diso fezer e sem elles se nom fara

Jtem  se a çidade quiser aforar suas propredades [sic] ou chãos ou quaesquer outras cousas que lhe pertençam e primeiro se ouuerem de ver pelo juiz vereadores e oficiaes sempre os dous procuradores dos mesteres Jram com eles e seram a jso presemtes

Jtem os ofiçiais da camara da dita cidade nam poderam fazer posturas nem acordos nem prometeram nem daram seruiços nem temças algumas pessoas em caso que pera iso tenham Licença nem outros alguns emcareguos sem serem chamados os oito dos ditos mesteres e com eles se asemtara o que has mais vozes for acordado e quando se eses oito chamarem se chamaram tambem as pessoas homradas que amdam nos oficios do concelho e se forem cousas que [letra rasurada] per bem de minhas ordenaçoins se aja de chamar todo o pouo alem dos ditos oito chamarsea todo segundo as ditas hordenaçoins declaram E quando quer que se ouuer

[Fól. 56]

de tomar as comtas das despesas que ha çidade mamdar fazer asy das remdas dela como fimtas e taixas seram requeridos os ditos oito dos mesteres pera que eleyam huma pessoa que por parte do pouo estee presemte ao tomar dellas pera por ele requerer o que a bem de sua Justiça fizer E mando a quallquer oficiall e pessoa que as ditas comtas ouuer de tomar que quando ho ouuer de fazer mande requerer os ditos oito pera elegerem a dita pessoa declarandolhe ho dia e tempo em que as ditas contas se ouuerem de tomar e quamdo ao dito tempo não for as poderam tomar sem elle

Jtem Por que os ditos mesteres teram muitas vezes necesydade dalgumas escreturas da camara mando ao spriuam dela que quando lhe for requerido por os ditos oito ou por os dous procuradores da mesa os treslados dalgumas sprituras ou estromentos ou cartas testemunhaueis que tocão ao dito pouo lhos dee com toda boa diligemçia que poder sem por Jso lhe leuar dinheiro nem premeo alguum

Jtem Porquanto asy os dous procuradores que na camara hão destar serem eleitos pera jso por estarem no dito lugar deuem ter mais liberdade que outros que pera iso nam sam escolhidos nem seruem E por lhes fazer merçe me praz que aqueles dous ofiçiaes macanicos que pelos sobreditos oito forem eleitos segundo atras he declarado pera estarem na dita camara por procuradores do dito pouo e seruirem não posam nunqua em nenhum tempo aver pena pubrjca de Justiça silicet açoute baraço e pregam nem outra que seya desta calidade que se daa aos outros macanicos E quamdo os sobreditos forem compremdidos em tall caso per omde segundo minhas hordenaçoins mereçam alguma penna pubrica lhes sera mudada em outra e acerqua diso lhe sera guardado o que se guardaria se fosse escudeiro E bem asy me praz que o Anno que os ditos dous procuradores seruirem seyam escusos do seruiço do concelho e nam seyam pera elles comstrangidos

E quamdo alguum dos ditos dous procuradores for ausemte ou empidido que não posa estar na camara pera se fazerem as cousas dela como nesta carta he declarado farseam com o outro que ficar

E os sobredictos dous mesteres estaram na camara asemtados num bamco que estara fora da mesa da vereaçam afastado huum pouco da mesa com o rosto pera os vereadores e as costas pera o pouo e semdo a mesa cerquada com peitoril de grades çerado estara de fora dele o dito bamco omde se ham de asemtar os ditos procuradores e sera mais baixo que ho asento dos vereadores

Noteficoo Asy ao juiz vereadores e procurador e ofiçiaes da dita çidade que ora sam e ao diamte forem e lhes mando que lhe leixem aos ditos mesteres fazer eleiçam dos ditos oito no modo que dito he e os ouçam quamdo por parte do pouo alguma cousa que a ele toque forem requerer a camara e os mandem chamar quamdo quer que se ouuerem de fazer algumas das cousas nesta carta declaradas a que eles ajam de ser presemtes a dar vozes e lhe leixem emleger as ditos dous procuradores que ham de estar na camara e lhe dem seu asento nela da maneira acima declarada e lhes leixem dar suas vozes nas sobreditas cousas posto que nom mostrem procuraçoins pubrjcas do pouo amostrando asynados dos ditos oito de como foram por eles Eleitos e em todo cumpram e guardem esta como nela se contem sem duuyda nem embarguo Algum que a elo seya posto por que asy he mjnha merçe e o ey por bem do pouo e mesteres da dita cidade E isto enquanto o bem fezerem e eu não mandar o contrairo e sera treladada no Livro da camara da dita cidade Dada em a minha cidade de lixboa aos quatro dias do mes doutubro diogo guomez a fez anno do nacimento de noso Senhor Jesu Christo de J [mil] bc Rj Anos Amrique da mota a fez escreuer//

 
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Livro 34, fólios 55 verso e 56.

Instituição e Regimento dos Mesteres na Cidade da Guarda

A cidade da Guarda Instituição e Regimento dos Mesteres[i]

João et cetera[ii] faço saber a quantos esta carta virem que os oficiais mecânicos e povo da minha cidade da Guarda me enviaram pedir e requerer que me aprouvesse que na dita cidade houvesse mesteres para requererem as coisas do povo, como os havia nas outras cidades e vilas principais de meus reinos, porque por os aí não haver tinham recebido e recebiam alguns agravos e opressões. E visto seu requerimento, havendo eu respeito [por] a dita cidade ser uma das principais deste reino e de grande povoação, e por não haver nela mesteres as coisas do povo não podem tão bem ser requeridas e olhadas como é razão e me prazerá que o sejam, hei por bem e me praz que daqui em diante haja nela oito mesteres, os quais se elegerão pela maneira seguinte:

Primeiramente todos os oficiais mecânicos que na dita cidade houver se juntarão um dia das oitavas de Natal[iii] de cada ano, e os oficiais de cada ofício elegerão entre si um bom homem e entendido para os ditos oito. E se forem mais ofícios que oito elegerão os ditos oito mesteres de oito ofícios que lhe[s] bem parecer. E dos ofícios que aquele ano não elegerem se elegerão no ano seguinte os ditos oito, ou aqueles que neles couberem. E não chegando a oito e não havendo aí oito ofícios para de cada um se eleger a dita pessoa, eles repartirão os ditos oito por todos os ofícios que aí houver como lhes melhor parecer.

E se alguns dos ditos oficiais mecânicos se não quiserem juntar quando forem chamados para assim fazerem eleição, o que não for, sendo-lhe notificado, pagará cem reais de pena para suas despesas. E os ditos oito ordenarão entre si uma pessoa que os faça juntar e dê a execução a dita pena, nos que nela incorrerem.

E tanto que for feita a dita eleição na maneira sobredita logo os oito que forem eleitos se juntarão e elegerão entre si dois procuradores do povo, homens de bem quais sentirem que sejam de melhor consciência e entender e que as coisas do povo saibam requerer bem e como a eles cumpre e com toda a temperança, os quais dois procuradores que assim forem eleitos estarão na Câmara da dita cidade nas vereações e autos que se nela fizerem. E quando se houver de prover de alguns ofícios da cidade e que por regimento e minhas ordenações a Câmara houver de prover serão chamadas as pessoas honradas que soem[iv] andar nos ofícios da dita Câmara e com eles e com os ditos dois procuradores dos mesteres os darão às mais vozes[v], a quem sentirem que para isso é mais auto e suficiente.

Os ditos dois procuradores serão presentes e darão vozes no outorgar dos contratos dos aforamentos, emprazamentos e arrendamentos que pela cidade forem feitos a alguma pessoa ou pessoas, de qualquer coisa que seja que a cidade possa fazer e nas vendas e trespassações e na arrecadação das rendas que (se) pertencem à cidade e sem eles se não fará coisa alguma do sobredito.

Terão vozes nas obras que a cidade mandar fazer e no dar dos chãos e assim nas despesas que os ditos oficiais mandarem fazer de qualquer coisa que seja e assinarão nos mandados com os ditos oficiais. E quando a Câmara quiser lançar algumas fintas ou taxas ou enviarem a mim algum procurador ou procuradores para requererem algumas coisas que sejam em proveito da cidade, os ditos dois procuradores dos mesteres serão presentes e assinarão no acordo que disso [se] fizer e sem eles se não fará.

Se a cidade quiser aforar suas propriedades ou chãos, ou quaisquer outras coisas que lhe pertençam, e primeiro se houverem de ver pelo juiz, vereadores e oficiais, sempre os dois procuradores dos mesteres irão com eles e serão a isso presentes.

Os oficiais da Câmara da dita cidade não poderão fazer posturas nem acordos, nem prometerão, nem darão serviços, nem tenças algumas [a] pessoas, em caso que para isso tenham licença, nem outros alguns encargos, sem serem chamados os oito dos ditos mesteres e com eles se assentará o que às mais vozes[vi] for acordado. E quando se esses oito chamarem se chamarão também as pessoas honradas que andam nos ofícios do concelho. E se forem coisas que[vii] por bem das minhas Ordenações se haja de chamar todo o povo, além dos ditos oito chamar-se-á todo segundo as ditas Ordenações declaram. E quando quer que se houver[viii] de tomar as contas das despesas que a cidade mandar fazer assim das rendas dela como fintas e taxas, serão requeridos os ditos oito dos mesteres para que elejam uma pessoa que por parte do povo esteja presente ao tomar delas, para por ele requerer o que a bem de sua justiça fizer. E mando a qualquer oficial e pessoa que as ditas contas houver de tomar que quando o houver de fazer mande requerer os ditos oito para elegerem a dita pessoa, declarando-lhe o dia e tempo em que as ditas contas se houverem de tomar. E quando ao dito tempo [ele] não for as poderão tomar sem ele.

Por que os ditos mesteres terão muitas vezes necessidade dalgumas escrituras da Câmara mando ao escrivão dela que quando lhe for requerido, por os ditos oito ou por os dois procuradores da mesa, os treslados de algumas escrituras ou instrumentos[ix] ou cartas testemunháveis que tocam ao dito povo, lhos dê com toda boa diligência que puder sem por isso lhe levar dinheiro nem prémio algum.

Porquanto assim os dois procuradores que na Câmara hão de estar serem eleitos para isso por estarem no dito lugar devem ter mais liberdade que outros que para isso não são escolhidos nem servem e por lhes fazer mercê me praz que aqueles dois oficiais mecânicos que pelos sobreditos oito forem eleitos segundo atrás é declarado para estarem na dita Câmara por procuradores do dito povo e servirem não possam nunca em nenhum tempo haver pena pública de justiça, silicet[x], açoite, baraço e pregão, nem outra que seja desta qualidade que se dá aos outros [ofíciais] mecânicos. E quando os sobreditos forem compreendidos[xi] em tal caso por onde segundo minhas Ordenações mereçam alguma pena pública lhes será mudada em outra e acerca disso lhe será guardado o que se guardaria se fosse escudeiro. E bem assim me praz que o ano que os ditos dois procuradores servirem sejam escusos[xii] do serviço do concelho e não sejam para ele(s) constrangidos.

E quando algum dos ditos dois procuradores for ausente ou impedido que não possa estar na Câmara para se fazerem as coisas dela como nesta carta é declarado far-se-ão com o outro que ficar.

E os sobreditos dois mesteres estarão na Câmara sentados num banco que estará fora da mesa da vereação, afastado um pouco da mesa, com o rosto para os vereadores e as costas para o povo. E sendo a mesa cercada com peitoril de grades cerrado estará de fora dele o dito banco onde se hão de sentar os ditos procuradores e será mais baixo que o assento dos vereadores.

Notifico-o assim ao juiz, vereadores e procurador e oficiais da dita cidade que ora são e adiante forem e lhes mando que lhe deixem aos ditos mesteres fazer eleição dos ditos oito no modo que dito é e os ouçam quando por parte do povo alguma coisa que a ele toque forem requerer à Câmara e os mandem chamar quando quer que se houver de fazer algumas das cousas nesta carta declaradas a que eles hajam de ser presentes a dar vozes[xiii]. E lhe[s] deixem eleger os ditos dois procuradores que hão de estar na Câmara. E lhe[s] deem seu assento nela da maneira acima declarada e lhes deixem dar suas vozes nas sobreditas coisas posto que não mostrem procurações públicas do povo mostrando assinados[xiv] dos ditos oito de como foram por eles eleitos. E em tudo cumpram e guardem esta como nela se contém sem dúvida nem embargo algum que a isso seja posto, porque assim é minha mercê e o hei por bem do povo e mesteres da dita cidade e isto enquanto o bem fizerem e eu não mandar o contrário. E será tresladada no livro da Câmara da dita cidade. Dada na minha cidade de Lisboa aos quatro dias do mês de outubro. Diogo Gomes a fez, ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e quarenta e um (anos)[xv], Amrique da Mota a fez escrever.

 
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Livro 34, fólios 55 verso e 56.
[i] Na margem do documento foi escrito: “os mesteres da/cidade da guarda/Regimento”.

[ii] Et cetera porque quando foi feito o registo do documento na Chancelaria régia foram omissos os títulos usados pelo rei, títulos que certamente constariam do formulário usado na carta original enviada ao concelho da Guarda: “pela graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, d’áquem e d’além-mar em África, Senhor de Guiné, e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e Índia”.

[iii] As “oitavas do Natal” designam o período do calendário litúrgico da Igreja cristã latina que vai do dia 25 de Dezembro (dia de Natal) até ao primeiro dia de Janeiro. A eleição far-se-ia, portanto, em qualquer dia dentro desse período.

[iv] Ou seja, “costumam”.

[v] Isto é, por uma maioria de votos (ou “vozes”, como então se dizia).

[vi] Ou seja, por maioria de votos.

[vii] Segue-se uma letra rasurada no original.

[viii] Início do Fólio 56.

[ix] Ou seja, documentos.

[x] Isto é, “a saber”.

[xi] Isto é, “incluídos” ou “abrangidos”.

[xii] Isto é, “dispensados” ou “isentos”.

[xiii] Isto é, “votos”.

[xiv] Por “assinaturas”?

[xv] Em numeração romana no documento: J bc Rj

Regras e notas de transcrição

  • Foi acrescentada pontuação: vírgula e ponto final.
  • O vocábulo Item, que antecede alguns parágrafos do texto foi substituído pelo símbolo
  • As palavras que se acrescentaram no texto surgem entre parênteses retos.
  • As palavras ou sílabas que se suprimiram no texto surgem entre parênteses curvos.
  • Desenvolveram-se todas as abreviaturas, que passaram a ser escritas por extenso (incluindo vocábulos onde o til ~ é sinal de abreviatura, como em hũa que foi atualizada para uma);
  • Os vocábulos Câmara e Ordenações foram escritos com inicial maiúscula, embora no original se encontrem com minúscula;
  • O verbo ser, nas circunstâncias em que é empregue em vez do verbo estar, foi alterado para a forma verbal equivalente do verbo estar;

Normas gerais da atualização ortográfica:

  • as letras maiúsculas no meio de um vocábulo atualizaram-se para minúsculas;
  • todos os nomes de pessoas e de lugares passaram e ser escritos com inicial maiúscula, assim como os vocábulos Câmara e Ordenações;
  • separaram-se palavras que estavam unidas, segundo o uso atual.
  • foram eliminadas as consoantes que não se leem (p. ex. “Joham”);
  • eliminaram-se as duplas consoantes se essa for a ortografia atual (p. ex. “sofficiente” foi atualizado para “suficiente”);
  • as duplas vogais foram eliminadas, exceto quando se trata de uma contração com valor fonético (p. ex. “aa” passa a “à”; “ee” passa a “ei”);
  • o y e o j foram substituídos por i (p. ex. “seya” passou a “seja” ou “mjm” passou a “mim”);
  • substituiu-se o b por v, e o u por v seguindo a grafia atual;
  • a contração “cõ A” foi substituída por da;
  • “as quaes” foi atualizada para essas;
  • “hũa” foi atualizada para uma;
  • “outro sy” foi atualizado para também;
  • “por os” foi substituído por “pelos”;
  • “em a” mudou-se para “na”.
  • “dalgumas” foi substituído por “de algumas”;
  • “pera” foi substituído por “para”;
  • “elo” atualizou-se para “isso”.
CEI
CMG
UC
USAL
IPG
INTERREG
UE